Material genético, código genético e genoma

 

Material genético, código genético e genoma. Esses termos científicos são bem comuns e qualquer um que frequenta as sessões de ciência de jornais e sites deve ter lido e ouvido eles várias vezes. Porém, o significado delas é muitas vezes confundido.

Material genético se refere à molécula responsável pela hereditariedade. No caso, o DNA (para os eucariontes, bactérias e vírus de DNA) e o RNA (para vírus de RNA e retrovírus, como o HIV). Hoje, para muitos, DNA e material genético são quase que sinônimos, porém nem sempre foi assim. Durante muito tempo, não se sabia qual molécula era responsável pela hereditariedade. O DNA foi descoberto no século XIX, pelo químico suíço Friedrich Mischer, que o isolou do núcleo de glóbulos brancos, porém sua função permaneceu obscura durante décadas. Quando se descobriu que os genes estavam nos cromossomos (formados por DNA e proteínas), muitos cientistas não apostavam nenhum pouco que o DNA fosse o material genético, o candidato mais provável para eles eram as proteínas que pareciam ser bem mais complexas e variadas, ao contrário do DNA que era formado por apenas quatro nucleotídeos diferentes. Apenas na década de 30 do século XX é que se descobriu que o DNA era o material genético. (Se você quer saber mais sobre a trajetória desde a descoberta do DNA até a descoberta de sua estrutura indico essa ótima série do blog Ciensinando, Parte 1, Parte 2 e Parte 3).

O código genético é a correspondência entre as trincas de nucleotídeos do DNA, o RNAm e os aminoácidos das proteínas.  A informação genética está contida no DNA em sequências de nucleotídeos que são transcritas em uma sequência de RNAm que são, por fim, traduzidas em polipeptídios. Cada conjunto de três nucleotídeos (trinca) determina um tipo de aminoácido na cadeia peptídica ou onde o processo de tradução se inicia ou para. Existem 64 códons que codificam 20 aminoácidos.  No artigo de Watson e Crick que descreve a estrutura do DNA, os autores já perceberam que a estrutura em dupla hélice indicava a existência de um código.

genetic code

Como podemos ver no esquema acima, diversos aminoácidos são determinados por mais de uma trinca (redundância dos códons) como a Arginina que é determinada por seis códons (CGG, CGA, CGC, CGU, AGG e AGA) e Ácido glutâmico por dois (GAA e GAG). Assim, por exemplo, se o códon  CGG é sofre mutação e o terceiro nucleotídeo é trocado para CGA ele continuará a determinar uma arginina, por esse motivo se diz que o código genético é degenerado.

Nosso código genético é o mesmo que uma grande variedade de seres vivos, isso permite, por exemplo, inserirmos um gene da insulina humana em bactérias e com isso produzir a proteína e distribui-la para pacientes diabéticos. Porém, o código genético não é universal, existindo diversos códigos alternativos. Um exemplo está dentro de nossas próprias células, as mitocôndrias possuem material genético independente e que possui um código genético diferente do DNA nuclear, com alguns códons diferenciados. Por exemplo, a trinca UGA que no DNA nuclear é um códon de parada, na mitocôndria codifica o triptofano. 34 grupos distintos – indo desde alguns fungos, algas, protozoários e bactérias – alteraram seu código genético, trocando os códons de seus aminoácidos e códons de parada ou até adicionando aminoácidos como a selenocisteína e a pirrolisina, todos de forma independente.

Genoma é toda informação genética de um organismo. Consiste de todos os genes e regiões não codificadoras, como regiões regulatórias, elementos transponíveis (transposons e retrotransposons) e pseudogenes. Genoma se refere ao conjunto haploide, dessa forma quando se diz que o genoma humano possui 3 bilhões de pares de base (Gb) nos referimos apenas a um conjunto de 23 cromossomos. Assim, nós temos dois genomas em nosso núcleo: um que veio de nosso pai e outro de nossa mãe. O termo também se refere a todo material genético não nuclear como os plasmídeos e o genoma encontrado dentro de organelas como mitocôndrias e cloroplastos.

Organismos procariontes possuem genomas constituídos por alguns poucos milhões de pares de base, como a Escherichia coli de quatro milhões de pares de bases (Mb). Já genoma eucariotas são maiores, a levedura (Saccharomyces cerevisiae) possui 12 Mb. Nossa espécie possui um genoma três bilhões de pares de base, tamanho similar do de outros mamíferos. Entretanto, algumas espécies de salamandra podem ter genomas de nove bilhões e peixes pulmonados chegam a ter 30 bilhões! Por outro lado, o tamanho genômico não está ligado ao número de genes. O Homo sapiens de 3 Gb possui um pouco mais de 25 mil genes, enquanto o humilde verme Caenorhabditis elegans de 97 Mb possui vinte mil genes. Isso acontece por que boa parte do genoma é constituído por elementos não codificadores chamados de DNA lixo ou junk DNA. Em espécies de menor genoma, a densidade de genes é maior, enquanto em outros eles se encontram muito mais espaçados.

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São termos bem distintos, mas que não raro são confundidos. Vemos em notícias sobre ciência expressões como sequenciaram “o código genético” (genoma, na verdade) e decodificaram o genoma de uma espécie. Mas, espero que após ler esse texto, vocês não cometa esses erros.